O Poder de Domar do Pequeno

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Acima, Sun, a suavidade, o vento.

Abaixo, Xien, o criativo, o céu.

Julgamento: O Poder de Domar do Pequeno tem Sucesso

Nuvens densas, nenhuma chuva vinda de nossa região Oeste.

Imagem: O vento percorre os céus: a imagem do Poder de Domar do Pequeno.

Assim o Ser Humano aperfeiçoa a forma externa de sua Natureza.

Ideograma 9 do Yijing, o Tratado das Mutações



COMENTÁRIOS

O Poder de Domar do Pequeno é um Hexagrama muito significativo do Yijing, o Livro das Mutações Chinês, que nos dá conta de um princípio que norteou, por muito tempo, as concepções de poder e política na China Antiga. Ele significa a capacidade de algo pequeno que amansa, retém, segura, estabelece limites, através da suavidade.

No Julgamento das linhas do Hexagrama, há uma referência ao mítico e sábio rei Wen, no momento em que este se encontrava incapacitado de vencer o imperador Zhouxi, de Shang, impondo-o limite, por conseguinte, pela persuasão suave (Shiji, 6). A descrição do momento sugere que ainda não é hora de se atuar com todas as forças, embora no fim tudo possa ser favorável. O Poder de Domar do Pequeno sugestiona a capacidade de se exercer influência pela doçura, pela susceptibilidade, pela submissão sincera do coração, e não da força. Na Imagem, quando o vento percorre os céus, o Yijing se remete ao Ser superior que, através de uma firme disciplina interna, aperfeiçoa suas virtudes dominando as paixões pequenas.

O que esse Poder de Domar do Pequeno significa, portanto? Na China Antiga, havia uma crença de que a real soberania do passado (como a do Rei Wen, por exemplo) não se pautava exclusivamente na força, mas sim na capacidade de administrar as coisas da Terra de acordo com a vontade do povo e do Céu. O Suserano ideal seria aquele que se submetesse às necessidades da sociedade, abrindo mão de seus interesses próprios em prol do bem comum. Assim sendo, ele seria uma espécie de governante distante, cuja função seria de instruir e arbitrar o povo, e guia-lo apenas nos momentos de calamidade, retirando-se do poder nos tempos de paz e fartura.

Este princípio embasou, em muito, as concepções sobre sabedoria e governo que foram propostas por Confúcio e Laozi. O primeiro via, nos reis do passado, homens prontos a deixarem seus postos de comando no momento em que julgassem encontrar pessoas mais capacitadas que eles para o trono. Soberanos responsáveis, eles instruíam o povo e eram isentos de ações egoístas, sendo devotados ao máximo ao trabalho, tentando governar pela virtude e pelo exemplo, e não pela intimidação. Seria o caso de Da Yu (o Grande Yu), que antes de fundar a dinastia Xia, passou anos trabalhando para dominar o dilúvio chinês, estando tanto tempo fora de casa que não conheceu seus filhos senão quando crescidos (sobre os reis do passado, consultar o Lunyu 8, 12, 13 e 20: o Shujing, 1a parte e o Shiji, 2). Estes soberanos seriam um exemplo de civilidade e de amor, atributos capazes de administrar o mundo de forma harmônica e natural. Laozi também apreciava a flexibilidade e amabilidade, pelos quais “pequenos” Estados podiam até conquistar os “grandes” (Daodejing, 59-60; Lunyu, 5, 13 e 15; e ainda, sobre a nobreza de espírito, 2, 8 e 15). Esta “conquista” não é a da força, mas da admiração. É o poder de convencer o poderoso à não executar a violência perante a mediação da docilidade.

O Poder de Domar do Pequeno nos ensina que a Humildade, em muitos casos, não é uma demonstração de fraqueza: na verdade, ela exige muita força interna, tanto para refrear os impulsos egoístas quanto para sustar nossos atos contra o próximo. Nem sempre é hora de agir com ação e intensidade. É melhor, de acordo com a circunstância, ser submisso ao contexto e a razão, prevendo o momento de atuar com segurança.

Mas a submissão não nos impediria de sermos autênticos com nós mesmos e com os outros? Pensemos neste aspecto: o que é ser autêntico? O que é “expressar o íntimo”? Será que nosso desejo de sempre demonstrarmos o que sentimos não é no fundo uma manifestação do egoísmo, uma forma de sobrepormos o desejo de aceitação das nossas vontades sobre os outros? O Poder de Domar do Pequeno chama a esse exame da consciência: a violência, a expressão forte do íntimo, tudo isso choca, impressiona, mas muitas vezes é fátuo, efêmero e gera imagens negativas. Quantas vezes, porém, não nos deparamos com casos em que a docilidade não domina a fúria? Em que a dominação, a inveja, o ciúme, tudo isso não passa de demonstrações de insegurança, enquanto que aqueles que tem o espírito tranqüilo continuam a realizar suas tarefas, ainda que com a pecha de “fracos, submissos, etc?” Laozi se referiu precisamente a este ponto quando disse: todos querem ser fortes como a árvore, mas, num vendaval, é a grama, que se curvando ao vento, sobrevive, enquanto a árvore é arrancada (Daodejing, 76). A sabedoria exige sempre flexibilidade, adaptação, compreensão sobre o momento. Isso só existe, no entanto, se formos humildes o suficiente para percebermos quem somos, onde estamos, e o que está acima e abaixo de nós. É assim, portanto, que se constrói a virtude das coisas pequenas, da razão e do sentimento, contidas no Poder de Domar do Pequeno.