Conclusão

Os desdobramentos destas propostas na cultura chinesa foram muitos, e fica-nos impossível apresentar um resumo desta história e de suas transformações neste trabalho de caráter introdutório, o que sugerimos que o leitor faça através de nossas indicações bibliográficas.

Achamos importante, porém, que uma discussão seja feita nessa pequena conclusão: é possível vivenciar alguns desses sistemas filosóficos na atualidade?

Primeiro, observemos a realidade histórica dessas doutrinas: o taoísmo só é encontrado hoje como religião, e não sabemos como ele seria praticado, de fato, pelos seus primeiros autores. Na verdade, os pesquisadores de hoje tendem a concordar que o Taoísmo religioso não tem muitas semelhanças com o filosófico, senão a de uma base textual sobre os quais as duas vertentes têm interpretações bem diferentes. Já o confucionismo, que também virou uma religião, acabou sumindo com o Império, mas os resquícios de sua mentalidade estão presentes nas sociedades da China, Japão, e de outros países asiáticos. O legismo também deixou seu legado no direito chinês, assim como o moísmo favoreceu (será?) um sentimento de comunhão entre as classes baixas. Mas estes são reflexos pálidos de sistemas de pensamento que já foram pujantes. Somente o taoísmo e o confucionismo estiveram presentes na vida dos chineses até o século XX, quando a revolução marxista perseguiu muitas seitas religiosas e empreendeu um combate sério a ideologia conservadora (e já bastante deformada, em relação as suas origens) do império, ligada ao pensamento de Confúcio e de sua escola.

Então, se nos decidimos por seguir qualquer um desses sistemas, temos que ter em mente que nossas reconstruções podem não corresponder diretamente à realidade da gênese e da forma dos mesmos. E temos um outro problema ligado à isso: se compreendermos que o surgimento dessas escolas tem relação com o contexto de crise existente na época, podemos realizar duas inferências sobre o assunto: sim, a propostas dessas escolas seriam válidas, porque os problemas de hoje são os mesmo da época ou: não, os problemas podem ser os mesmos, mas a sociedade já mudou bastante e conta atualmente com recursos que podem tanto facilitar como dificultar, ainda mais, a resolução das coisas.

Como ocidentais, temos ainda a barreira cultural imposta pelos nossos processos de formação. Seremos, por conseguinte, capazes de empreender uma disciplina estranha ao nosso condicionamento, ou perdermos tempo somente tentando praticá-la, sem atingir um avanço maior? Ou será, ainda, que podemos efetivamente conseguir entender o que cada um destes sistemas nos propõe?

Se levarmos em conta que a abordagem dessas escolas se remete à valores que podem ser ditos universais (ou não), precisamos analisar sua amplitude: se forem, de fato, baseados num dito espírito humano, então não só podemos praticá-los com entende-los, mas precisamos antes nos perguntar se já não existe coisa semelhante no Ocidente, já que, como seres humanos, seríamos capazes de apreender a realidade tão bem quanto qualquer outra sociedade do mundo. No entanto, se admitirmos que essas concepções são construções culturais, então seria no mínimo um anacronismo tentar recuperar qualquer uma delas, tendo em vista que até o contexto temporal e cultural já passou.

Além disso, supondo que ignorássemos estes problemas e, ainda assim, tentássemos aplicar qualquer uma dessas visões no cotidiano, seria necessário também que avaliássemos se elas deveriam ser empregadas na suas formas tradicionais ou adaptadas. As formas tradicionais encontrariam falhas inúmeras, já que muitas das técnicas estão obsoletas em função das mudanças culturais. No entanto, se as adaptarmos, ou se utilizarmos as versões mais recentes (seja de que época for), estaremos lidando com deformações, o que acidentalmente conduziria (ou não) ao erro.

Se, no entanto, entendermos que as questões levantadas por esses filósofos chineses ainda são pertinentes, e ainda, que podemos compreende-las com perfeição e aplica-las ao cotidiano, será que teremos condições de assumir uma possível dificuldade de inserção social, ou será necessário o isolamento?

Acreditamos que, na verdade, algumas clivagens podem ser feitas, sem entrarmos no mérito pessoal da questão, já que a interpretação que cada um terá sobre estes fatores é que determinará sua aceitação (ou não) à prática de um desses sistemas filosóficos.

Achamos imprescindível, primeiramente, que os estudiosos tenham em mente a premência de analisar o pensamentos orientais não somente por uma afinidade ou interesse volátil, mas por seus conteúdos complexos e abrangentes que nos forçam a rever nossa arrogância intelectual. Vemos que uma série de concepções foi inferida, pelos chineses, no campo das idéias, bem antes do Ocidente. Não assumimos aqui que o Ocidente ficou atrasado ou defasado em relação ao Oriente, mas na verdade, nossas Ciências tomaram um caminho diferente, e nos dias atuais, quando se tenta resgatar ao máximo a questão humana dentro da Filosofia e da História, nos voltamos para o pensamento asiático como um grande estudioso do assunto, com uma longa tradição nas discussões do gênero. Mas, voltamos a insistir: não há sistema melhor ou pior que o outro. Não há superioridade de pensamento de uma sociedade para outra.

As idéias (mesmo na visão de alguns autores orientais, que, aliás, defendem esta postura) não são uma exclusividade de uma cultura, mas pertencem ao dito espírito humano, que se manifesta em todos os lugares. Se uma leitura desta realidade aparece em algum lugar antes de outro, isso só se deve ao contexto, e ainda assim, sofre a ação, na sua análise, de uma série de paradigmas culturais. Logo, todo este conjunto de pensamentos está em interação constante com a humanidade, não sendo privilégio de ninguém. O próprio século VI a.C. dá mostras disso, quando vemos o surgimento da filosofia grega, do budismo na Índia, do aperfeiçoamento do hinduísmo e, finalmente, das escolas chinesas. Não é válido também o argumento do difusionismo antropológico, tendo em vista que esta teoria só foi criada para justificar a ascendência do Ocidente sobre o Oriente. Além disso, a variedade de sistemas, e o tempo de geração entre eles foram muito escassos para caracterizar uma distribuição de idéias de uma cultura para outra.

Conseqüentemente, temos que admitir que os sistemas orientais são tão válidos como os nossos, e se tornam importantes na medida que ainda afetam o desenvolvimento das sociedades, não somente na Ásia, como também em outras partes do mundo, para onde estas populações têm migrado. Além disso, vivemos um movimento recíproco de trocas culturais, devido à processos como o de globalização, que nos permitem vivenciar e experimentar caminhos dos mais diversos tipos, vindos de todas as partes do mundo, com maior facilidade. Trabalhar com a 'filosofia oriental' é, igualmente, demolir o muro do preconceito. Não obstante as conceituações que ela pode nos fornecer, temos que ter em vista que existe uma grande tradição entre os pensadores ocidentais de recorrer ao pensamento asiático como auxiliares em seus escritos (Voltaire, Montesquieu, Schopenhauer, Nietzsche, Jung, etc.), o que não nos torna, por conseguinte, tão distantes de nossos equivalentes chineses e indianos. Na verdade, as Ciências Humanas nestes países também tem se valido de nossos métodos científicos para aprimorar os seus.

Podemos concluir, portanto, que o pensamento chinês pode, e deve, na medida do possível, ser estudado e utilizado como forma de conhecimento pelo Ocidente, na medida em que oferece um vasto instrumental para o desenvolvimento da capacidade crítica humana. Ainda permite que nos interemos sobre outras culturas diferentes das nossas, e nos força a revisão de certos estereótipos, preconceitos e paradigmas que são aplicados não só ao outro como dentro de nossas próprias sociedades. São também sistemas auxiliares (mas, bem lembrado, equivalentes) aos nossos que, no entanto, nos colocam na discussão sobre a ascendência das idéias, permitindo-nos compor um sistema mais flexível de entendimento sobre o mundo, na medida em que se apresentam como provas críticas de que é possível a elaboração, em qualquer parte do globo, de idéias semelhantes. Sabendo disso reconhecermos, sem má vontade, que muitas das concepções apresentadas pelos chineses, neste livro, são bem parecidas com as nossas: e podemos nos regozijar ao perceber que, mesmo com as diferenças culturais, existe realmente um espírito humano que açambarca a todos nós de forma equânime, profunda e fraterna.